Caros leitores, segue uma simplificada revisão bibliográfica que fiz sobre cólera. Espero que seja útil
1.1 - Descrição:
A
cólera é uma doença infecciosa aguda, transmissível que se caracteriza por uma
infecção intestinal grave, podendo levar à morte em decorrência da
desidratação. A bactéria causadora é o vibrião colérico ou Víbrio
cholerae.
O agente
etiológico da cólera é encontrado nas fezes das pessoas infectadas, doentes ou
não. O homem, único reservatório do vibrião, chega a eliminar 10 milhões de
bactérias por grama de fezes. O contágio é direto, pela água e pelos alimentos
contaminados. As moscas e outros insetos podem funcionar como vetores
mecânicos, transportando o vibrião para a água e para os alimentos.
1.2 - Sinais e sintomas:
Após um período de
incubação de algumas horas a 5 dias, a maioria dos casos de cólera,
apresenta-se como uma diarréia leve
ou moderada, indistinguível das diarréias comuns. Podem ocorrer vômitos, porém
dor abdominal e febre são incomuns. Em algumas pessoas (menos de 10%), a cólera pode evoluir de forma mais grave, com
início súbito de uma diarréia aquosa profusa, geralmente sem muco,
pus ou sangue e, com freqüência, acompanhada de vômitos. Poder ocorre perda
rápida de líquidos (até 1 a 2 litros por hora) e eletrólitos, levando a
desidratação acentuada. Em razão disso, há sede intensa, perda de peso, prostração,
diminuição do turgor da pele e os olhos ficam encovados. Há desequilíbrio
hidroeletrolítico, o que pode ocasionar câimbras musculares e, em crianças, a
hipoglicemia pode levar a convulsões e redução do nível de consciência. Sem
tratamento adequado ocorre diminuição da pressão sanguínea, funcionamento
inadequado dos rins, diminuição do volume urinário até a anúria total, coma e
evolução para a morte em três a quatro horas. Raramente, pode haver
concomitância de febre alta (cólera "tifóide") e a perda de
líquidos pode não ser evidente (cólera "seca"), uma vez que a
desidratação pode se dar por retenção de líquidos no intestino. O óbito
pode acontecer em até 50% das formas graves não tratadas, número que cai para
menos de 2% com hidratação adequada.
Na maioria dos casos, manifesta-se de forma assintomática e este é um
dos principais motivos que facilitam sua propagação, já que o portador é capaz
de transmitir a doença sem ao menos ter conhecimento deste fato. Apenas 10% das
pessoas afetadas desenvolvem o quadro sintomático. Os pacientes liberam os
vibriões em suas fezes por cerca de vinte dias.
1.3 – Diagnóstico:
A confirmação do diagnóstico
de cólera é
feita através de isolamento do V.
cholerae em cultivo, feito
geralmente a partir das fezes. A confirmação não tem importância para o
tratamento da pessoa doente, mas é fundamental para a adoção de medidas que
reduzam o risco de ocorrência de uma epidemia. É também importante, por motivos
semelhantes, se a pessoa doente é proveniente de uma área onde não era antes
registrada a ocorrência da doença. Além disso, o isolamento de amostras da
bactéria torna possível o conhecimento da sua susceptibilidade aos
antimicrobianos.
Fonte: Google imagens |
1.4 – Tratamento:
O tratamento da cólera consiste
basicamente em reidratação. A desidratação pode ser danosa em qualquer idade,
mas é particularmente perigosa em crianças
e idosos. Nos casos leves e moderados, o médico pode recomendar que o
tratamento seja feito em casa, com a solução de reidratação oral. Existem
diversas fórmulas contendo sais que são facilmente encontradas em farmácias,
mas as fórmulas que contém a composição recomendada pela Organização Mundial da Saúde devem
ser preferidas: Cloreto de sódio 3,5 mg; Citrato trissódico diidratado 2,9 mg;
Cloreto de potássio 1,5 mg e Glicose 20,0 mg.
Os medicamentos
antidiarreicos, do mesmo modo que em todas as outras diarreias de causa
infecciosa, estão contraindicados no tratamento da cólera. Esses medicamentos diminuem
os movimentos intestinais (peristaltimo), facilitando a multiplicação do V.
cholerae. Como resultado, ocorre piora ou aumento na duração da diarréia. Do mesmo modo, não devem
ser utilizados adstringentes (caolin-pectina, carvão), uma vez que podem
perpetuar a perda de eletrólitos (sódio e potássio) pelas fezes. Em crianças,
devem ser evitados medicamentos contra vômitos, uma vez que podem ocasionar
intoxicação, com diminuição do nível de consciência e movimentos involuntários,
dificultando a ingestão da solução oral de reidratação. Além disso, essa
medicação é geralmente desnecessária, uma vez que os vômitos tendem a cessar
com o início da reidratação.
Na maioria dos casos, mesmo nas formas graves, a
recuperação é completa e rápida, apenas com a reidratação adequada. Nas formas
graves, os antibióticos quando iniciados nas primeiras 24 horas de doença,
podem diminuir a duração da diarréia e,
com isto, as perdas de líquido e eletrólitos, o que facilita a terapêutica. Nos
casos sem gravidade, o uso de antibióticos não é justificável, uma vez que não
trazem qualquer benefício comprovado na evolução da doença ou interferência na
sua disseminação. Além disso, o uso indiscriminado de antibióticos aumenta
o risco do surgimento de resistência no V. cholerae (e em
outras bactérias intestinais), o que pode dificultar o tratamento das formas
graves.
1.4 – Aspectos epidemiológicos:
A cólera ocasionou seis pandemias entre 1817 e
1923. A atual, a sétima, começou na Indonésia em 1961, causada pelo biótipo El
Tor. Disseminou-se por outros países na Ásia, Oriente Médio, África (70% dos
casos notificados no mundo) e Europa, chegando à América do Sul em 1991,
através de cidades litorâneas do Peru. Em 1992, surgiu na Índia um novo
sorogrupo produtor de enterotoxina, o V.
cholerae O139, que
rapidamente atingiu o Paquistão, Bangladesh e China. No Brasil, a introdução da cólera (causada pelo El Tor) ocorreu através
da Região Amazônica, no Alto Solimões.
A cólera afeta, principalmente, locais onde o saneamento básico é
precário. A bactéria sobrevive por até cinco dias em temperatura ambiente e é
resistente ao congelamento. No ambiente marinho, vive bem em temperaturas entre
10 e 30°C. Entretanto, não resiste a temperaturas acima de 80°C e tampouco à
exposição ao cloro.
Casos confirmados, por local de transmissão: entre
1996 e 2006. Fonte: Ministério da Saúde 2007
Região
|
1996
|
1997
|
1998
|
1999
|
2000
|
2001
|
2002
|
2003
|
2004
|
2005
|
2006
|
Total
|
Norte
|
81
|
48
|
17
|
0
|
0
|
0
|
0
|
0
|
0
|
0
|
0
|
146
|
Nordeste
|
936
|
2.996
|
2.728
|
4.279
|
733
|
7
|
0
|
0
|
21
|
5
|
0
|
11.705
|
Sudeste
|
0
|
0
|
0
|
13
|
0
|
0
|
0
|
0
|
0
|
0
|
0
|
13
|
Sul
|
0
|
0
|
0
|
467
|
0
|
0
|
0
|
0
|
0
|
0
|
0
|
467
|
Centro-Oeste
|
0
|
0
|
0
|
0
|
0
|
0
|
0
|
0
|
0
|
0
|
1
|
1
|
Total
|
1.017
|
3.044
|
2.745
|
4.759
|
733
|
7
|
0
|
0
|
21
|
5
|
1
|
12.332
|
1.5 – Ações em saúde:
A Organização
Mundial da Saúde (OMS)
recomenda o tratamento com 6 mg de cloro para cada litro de água. Quando se
utiliza um conta-gotas de 1 ml = 20 gotas, 5 gotas de hipoclorito de sódio a
2,5% contém 6 mg de cloro. O tratamento com comprimidos deve ser feito de
acordo com as instruções dos fabricantes, observando-se cuidadosamente as
recomendações em relação à concentração adequada para diferentes volumes e
finalidades de utilização da água. O cloro (hipoclorito de sódio ou
comprimidos) deve ser adicionado à água no mínimo 30 minutos antes da sua utilização
como bebida ou para o preparo de alimentos. Em recipientes fechados, a água
tratada com cloro pode ser utilizada até por 24 horas. A fervura da água antes
do consumo, durante pelo menos um minuto, é uma alternativa segura ao
tratamento com cloro e deve ser a preferida quando a água estiver turva. Para desinfecção de frutas e verduras deve ser
utilizado 2 ml (40 gotas) de hipoclorito de sódio a 2,5% para cada
litro de água, ou comprimidos de cloro na concentração indicada pelo
fabricante. As frutas e verduras devem ser mantidas imersas por 30
minutos na água clorada. Em seguida devem ser lavados com água tratada com a
concentração de cloro adequada à sua utilização como bebida.
Vacinas possuem restrições de uso,
sendo requeridas apenas como medida complementar, em casos de risco de infecção
elevado, em pessoas cujas secreções ácidas estomacais são reduzidas.
Coleta de lixo rigorosa, a fim de evitar a proliferação de vetores;
enterrar as fezes longe de fontes de água, quando não houver saneamento básico
adequado na região; reaquecimento dos alimentos já cozidos; lavar as mãos
constantemente; e evitar alimentos de ambiente aquático de região onde houve
surto da cólera, são medidas necessárias.
Para reduzir os riscos, a
população deve alimentar-se em locais que tenham condições adequadas ao preparo
higiênico de alimentos, além de observar cuidados adicionais. A alimentação na rua com vendedores ambulantes constitui um risco elevado. Os
alimentos devem ser bem cozidos e servidos logo após a preparação, para evitar
nova contaminação com a bactéria. Os alimentos preparados com antecedência
devem ser novamente aquecidos, imediatamente antes do consumo e servidos ainda
quentes ("saindo fumaça"). Água
mineral gaseificada e outras bebidas engarrafadas industrialmente, como
refrigerantes, cervejas e vinhos são geralmente seguras. Café e chás bebidos
ainda quentes não constituem risco. Não deve ser utilizado gelo em bebidas, a
não ser que tenha sido preparado com água tratada (clorada ou fervida).
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
1 - Cólera
no Brasil.Saude soc. [online]. 1993, vol.2, n.1, pp. 3-7. ISSN
0104-1290. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12901993000100002.
2 - Cólera e condições de vida
da população. Rev. Saúde
Pública [online]. 2000,
vol.34, n.4, pp. 342-347. ISSN 0034-8910. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102000000400005.
3 - Centers
for Disease Control and Prevention. Imported cholera associated with a newly
described toxigenic Vibrio
cholerae O139 Strain � California,
1993. MMWR 1993;42:501-3.
Atenciosamente, Rafael Brandão