Caros
leitores, devido a notável complexidade da disciplina de Análises Clínicas, resolvi elaborar uma pequena revisão bibliográfica sobre Diabetes
Mellitus. Declaro que tal abordagem sobre assunto tem caráter exclusivamente acadêmico,
e não deve servir como base para tratamentos ou indicações terapêuticas.
Ressalto que tratamentos e recomendações terapêuticas são de responsabilidade
exclusiva de médicos. A reprodução desse material é permitida desde que sejam
citadas suas respectivas referências bibliográficas.
Diabetes Mellitus
O Diabetes Mellitus inclui
um grupo de doenças metabólicas caracterizadas por hiperglicemia, resultante de
defeitos na secreção de insulina e/ou em sua ação. A hiperglicemia se manifesta
por sintomas como poliúria, polidipsia, perda de peso, polifagia e visão turva
ou por complicações agudas que podem levar a risco de vida: a cetoacidose
diabética e a síndrome hiperosmolar hiperglicêmica não cetótica. A
hiperglicemia crônica está associada a dano, disfunção e falência de vários
órgãos, especialmente olhos, rins, nervos, coração e vasos sangüíneos. (GROSS, Jorge L. et al.)
Segundo a
Organização Mundial da Saúde (OMS 2001) o Diabetes Mellitus é um problema de
saúde pública mundial. Estima-se que existam mais de 150 milhões de pessoas com
diabetes no mundo, sendo que algumas projeções da OMS para 2025 sugerem que
esse número possa chegar a 300 milhões.
No Brasil, aproximadamente 50%
das pessoas com diabetes desconhecem sua condição mórbida sendo que 10% delas
são portadoras de diabetes do tipo I. Em alguns países esse percentual sobe
para 80% (OMS 2001).
Mesmo com o advento de novas
tecnologias, o avanço da medicina e uma elevada otimização dos métodos de
diagnóstico, lamentavelmente o diabetes ainda é, hoje, uma das principais causas
de incapacitação física para o trabalho, tornando o seu portador 25 vezes mais
propenso à cegueira, 17 vezes mais susceptível à nefropatia, com chances cinco
vezes maiores de uma amputação de membros e o dobro de risco de uma doença
cardiovascular. (LERCO, MAURO,
MASSO Et AL.)
O diabetes está
associado ao aumento da aterosclerose, observada em autópsias de infarto agudo
do miocárdio, elevando as chances de desenvolver trombose e infarto cerebral,
bem como gangrena de membros inferiores, numa incidência duas vezes maior que a
população não-diabética. Embora a aterosclerose isolada seja um importante
fator de risco para essas afecções, freqüentemente ela é complicada pela
presença da microangiopatia diabética disseminada. (LERCO, MAURO, MASSO Et AL.)
Alterações da tolerância a glicose e diabetes são freqüentes na
população adulta e estão associados a um aumento da mortalidade por doença
cardiovascular e complicações microvasculares. O diagnóstico destas situações
deve ser feito precocemente, utilizando métodos sensíveis e acurados. (GROSS, Jorge L. et al.)
GROSS, Jorge
L. et al. Afirmam que o teste oral de tolerância à glicose é o método de
referência, considerando-se a presença de diabetes ou tolerância à glicose
diminuída quando a glicose plasmática de 2h após a ingestão de 75g de glicose
for ³200mg/dl ou ³140 e <200mg/dl, respectivamente. Quando este
teste não puder ser realizado, utiliza-se a
medida da glicose plasmática em jejum, considerando-se como diabetes ou
glicose alterada em jejum quando os valores forem ³126mg/dl ou³110
e <126mg/dl, respectivamente.
A medida da glico-hemoglobina não deve ser utilizada para o diagnóstico,
mas é o método de referência para avaliar o grau de controle glicêmico longo
prazo.
A classificação etiológica proposta atualmente para o diabetes melito
inclui 4 categorias: diabetes melito tipo 1, diabetes melito tipo 2, outros
tipos específicos de diabetes e diabetes gestacional. A classificação do
paciente é usualmente feita em bases clínicas, mas a medida de auto-anticorpos
e do peptídeo C pode ser útil em alguns casos. (GROSS, Jorge L. et al.)
Estudos de intervenção demonstraram que a
obtenção do melhor controle glicêmico possível retardou o aparecimento de
complicações crônicas microvasculares, embora não tenha tido um efeito
significativo na redução de mortalidade por doença cardiovascular. (LERCO, MAURO, MASSO Et AL.)
Estudo demonstrou
que é possível diminuir significativamente a incidência de novos casos de
diabetes através de medidas de intervenção como a realização de exercícios
físicos e redução de peso em pacientes com alterações da homeostase glicêmica
ainda não classificadas como diabetes. (Tuomilehto J. 2001)
O diagnóstico do diabetes
baseia-se fundamentalmente nas alterações da glicose plasmática de jejum ou
após uma sobrecarga de glicose por via oral. A medida da glico-hemoglobina não
apresenta acurácia diagnóstica adequada e não deve ser utilizada para o diagnóstico
de diabetes. (GROSS, Jorge L. et al.)
GROSS, Jorge L. et al., afirmam que para que o diagnóstico seja estabelecido em
adultos fora da gravidez, os valores devem ser confirmados em um dia
subseqüente, por qualquer um dos critérios descritos. A confirmação não é
necessária em um paciente com sintomas típicos de descompensação e com medida
de níveis de glicose plasmática ³200mg/dl.
Os
critérios diagnósticos baseiam-se na glicose plasmática de jejum (8 horas), nos
pontos de jejum e de 2h após sobrecarga oral de 75g de glicose (teste oral de
tolerância à glicose – TOTG) e na medida da glicose plasmática casual. O quadro
inclui as diversas categorias diagnósticas para adultos e para o diabetes
gestacional. (GROSS, Jorge L. et al.)
Para o diagnóstico do diabetes em crianças que não apresentam um
quadro característico de descompensação metabólica com poliúria, polidipsia e
emagrecimento ou de cetoacidose diabética, são adotados os mesmos critérios
diagnósticos empregados para os adultos. Quando houver a indicação de um TOTG,
utiliza-se 1,75g/kg de glicose (máximo 75g). (GROSS,
Jorge L. et al.)
Aspectos laboratoriais da medida da glicose
plasmática
A glicose,
idealmente, deve ser medida em plasma livre de hemólise. Os anticoagulantes
mais comuns (heparina, EDTA, citrato, oxalato) não interferem na dosagem. A
glicose no sangue total sofre glicólise a uma velocidade considerável
(7mg/dl/h) quando conservada na temperatura ambiente (18-25°C), portanto a
amostra deve ser centrifugada imediatamente após a coleta. O plasma deve ser
separado das células o mais rápido possível e é estável por 48 horas sob
refrigeração. Quando este procedimento não pode ser realizado, é recomendado
que a coleta seja feita em tubos acrescidos de um inibidor da glicólise, como o
fluoreto de sódio. O sangue total fluoretado, refrigerado ou mantido em banho
de gelo, previne a glicólise por 1 hora. O jejum recomendado é de no mínimo 8
horas, tanto para as dosagens de jejum isoladas como para o TOTG. (GROSS, Jorge L. et al.)
Os
métodos de análise preferidos são os enzimáticos e os métodos químicos estão em
desuso por não apresentarem a especificidade adequada. Várias enzimas, com
especificidade máxima para a glicose, têm sido empregadas nos reagentes atuais.
A glicose oxidase é a mais usada, mas enzimas como a hexoquinase e a glicose
desidrogenase também podem ser utilizadas. Os métodos enzimáticos são exatos,
precisos, baratos e podem ser facilmente automatizados. (GROSS, Jorge L. et al.)
AVALIAÇÃO DO CONTROLE GLICÊMICO DO PACIENTE DIABÉTICO
Depois
de estabelecido o diagnóstico de diabetes, os pacientes iniciam diversas
modalidades de tratamento para corrigir a hiperglicemia, procurando atingir o
melhor controle metabólico possível, isto é, níveis de glicose em jejum
<110µg/dl ou pós-prandial <140mg/dl ou da glico-hemoglobina abaixo do
limite máximo do método empregado. (LERCO,
MAURO, MASSO Et AL.)
Glico-hemoglobina
A medida da glico-hemoglobina (GHb) é o parâmetro
de escolha para o controle glicêmico a longo prazo. A GHb reflete o grau de
controle glicêmico dos 2 a 3 meses prévios. A medida da GHb deve ser realizada
2 vezes por ano em pacientes com controle glicêmico estável e dentro dos
objetivos do tratamento e mais freqüentemente a cada 3 a 4 meses em pacientes
com controle glicêmico ainda não ótimo nos quais estão se realizando modificações
do tratamento. (GROSS, Jorge L. et al.)
A
GHb é o produto da reação não-enzimática entre glicose e o grupo amino terminal
de um resíduo de valina na cadeia b da hemoglobina. O termo inclui todas
as hemoglobinas modificadas com a glicose, incluindo HbA1 e suas frações, bem
como as outras hemoglobinas anormais (HbS, HbF, HbC) que, eventualmente, possam
estar presentes. A percentagem de GHb depende da concentração de glicose no
sangue, do tempo de duração da exposição da hemoglobina à glicose e ao tempo de
meia vida dos eritrócitos (~120 dias). Quanto maior a concentração de glicose e
maior o período de contato, maior a percentagem da GHb. (GROSS, Jorge L. et al)
Segundo
GROSS, Jorge L. et al., cuidados
devem ser tomados em relação à fração lábil, temperatura, pH, presença de
hemoglobinas anômalas, uremia e lipemia. O clínico deve interpretar com cautela
os resultados de GHb e deve manter contato com o laboratório para obter
informações sobre os valores de referência, as interferências e sobre a
padronização com os resultados do DCCT do método que está sendo utilizado.
Idealmente, o método usado deve ser certificado pelo NGSP e deve operar sob um
rigoroso controle de qualidade interno.
Frutosamina
A frutosamina é uma proteína glicada, constituída
principalmente de albumina, que reflete o controle glicêmico em 1 a 2 semanas
anteriores, já que a meia-vida da albumina é de 14 a 20 dias. Embora haja uma
boa correlação entre GHb e frutosamina, a medida da frutosamina não deve ser
considerada equivalente à da GHb. O papel da frutosamina como um fator
preditivo para o desenvolvimento de complicações do diabetes ainda não foi
determinado. A medida da frutosamina pode ser um método alternativo para
avaliar o controle glicêmico dos pacientes portadores de hemoglobinopatias, nos
quais a determinação de GHb é prejudicada na maioria dos métodos disponíveis. (GROSS, Jorge L. et al.)
A
frutosamina é medida pela técnica laboratorial da redução do "nitro
bluetetrazolium" (NBT) que é simples, barata e pode ser facilmente
automatizada. Os valores de frutosamina podem variar em função de mudanças na
síntese e depuração das proteínas que podem ocorrer nas doenças hepáticas e nas
doenças sistêmicas agudas, entre outras. (GROSS,
Jorge L. et al.)
Avaliação da glicemia
A avaliação da glicemia ao longo do dia é uma
estratégia importante para se obter o melhor controle metabólico possível.
Usualmente esta avaliação é realizada através da obtenção de sangue capilar e
colocação em fitas reagentes acopladas a aparelhos que fornecem os resultados
em poucos segundos. De uma maneira geral, os aparelhos de leitura que são
bastante acurados com um coeficiente de variação abaixo de 5%. Erros comuns
podem ocorrer por alteração das fitas decorrentes de exposição ao ar ambiente
por longos períodos de tempo e armazenamento de fitas de diferentes lotes em um
mesmo frasco. (GROSS, Jorge L. et al.)
A
auto-monitorização da glicose capilar está indicada para todo o paciente
tratado com insulina ou agentes anti-hiperglicemiantes orais. Em pacientes com
diabetes melito tipo 1 é recomendada a realização de 3 ou mais testes por dia.
Pacientes em tratamento intensivo com múltiplas doses de insulina ou em uso de
bomba de infusão contínua subcutânea de insulina e gestantes devem também
realizar testes pós-prandiais (90 a 120 minutos após as principais refeições) e
durante a madrugada, ou quando houver suspeita de hipoglicemia. Em situações de
modificações no tratamento ou intercorrências clínicas pode ser necessário
realizar exames mais freqüentementes. (GROSS,
Jorge L. et al.)
A freqüência ótima de realização dos testes não está definida para
pacientes com diabetes tipo 2, mas depende do tipo do tratamento realizado
(agentes orais ou insulina) e da estabilidade do quadro metabólico. Medidas de
glicose pós-prandiais podem ser úteis para avaliar o controle metabólico quando
os valores de glico-hemoglobina estiverem elevados na presença de valores
glicêmicos pré-prandiais adequados. (GROSS,
Jorge L. et al.)
Recentemente,
foram desenvolvidas técnicas não dolorosas e automáticas que permitem uma
avaliação não invasiva e mais freqüente da glicose capilar. O GlucoWatch é um dispositivo não invasivo
automático aprovado pela Food
and Drug Administration (FDA)
dos Estados Unidos. Funciona como um relógio ao redor do punho e extrai glicose
através da pele pela aplicação de um potencial (iontoforese), medindo a glicose
da amostra extraída através de um sensor eletroquímico enzimático. A extração e
leitura levam 20 minutos e podem ser obtidas e visualizadas no mostrador até 3
medidas por hora. A área do braço onde é colocado o relógio deve ser depilada,
é necessário repor um gel sensor e trocar o dispositivo de braço a cada 12
horas e fazer nova calibração (com medida de glicose capilar através de
aparelhos tradicionais) (GROSS,
Jorge L. et al.)
Uma
outra técnica também aprovado pelo FDA é a de um dispositivo que mede a glicose
por método enzimático no fluido intersticial por um período de até 3 dias. Um
sensor é colocado no tecido celular subcutâneo e ligado a um aparelho de
registro de tamanho aproximado de uma bomba de infusão de insulina. São
registradas leituras a cada 15 minutos. Entretanto, a leitura ainda não é feita
em um visor simultâneo, mas posteriormente em um microcomputador utilizando um
programa específico. Este dispositivo pode ser útil em pacientes em uso de
tratamento intensificado (bombas de infusão subcutânea ou múltiplas doses),
para diagnóstico de hipoglicemia não percebida ou ainda em gestantes.
Idealmente, no futuro estes dispositivos serão acoplados a sensores de glicose
de bombas de infusão contínua de insulina (subcutâneas ou intraperitoniais), de
tal maneira que modificações de glicose plasmática sejam automaticamente corrigidas
através de modificações na infusão de insulina. (GROSS,
Jorge L. et al.)
Medida da glicose na urina
O uso de fitas reagentes que fazem uma medida
semi-quantitativa da glicose na urina é de fácil realização e de baixo custo.
Vários fatores, entretanto, limitam seu uso como método para avaliação de
controle glicêmico. A glicosúria só se torna positiva quando a sua concentração
sérica é superior a 180mg/dl em pacientes com função renal normal e com valores
ainda mais elevados em pacientes com nefropatia diabética. A medida da
concentração de glicose obtida através das fitas na urina é alterada pelo
volume, reflete o valor médio correspondente ao período do intervalo de coleta
e não dá uma idéia de como está a glicose no sangue no momento da realização do
teste. Apesar destas limitações, a medida de glicosúria deve ser indicada para
pacientes em uso de insulina que não têm condições de realizar medida de
glicose capilar antes das refeições e ao deitar. (LERCO,
MAURO, MASSO Et AL.)
A realização do teste após as refeições permitiria um controle
metabólico mais adequado e tem sido recomendada para pacientes com diabetes
melito tipo 2. A medida em uma segunda amostra de urina (dupla micção) não
parece ser mais vantajosa do que a medida em uma primeira amostra de urina, independente
do horário de coleta. (LERCO, MAURO,
MASSO Et AL.)
Medida de corpos cetônicos na urina
A presença de cetonúria verificada através de
fitas reagentes e associada a elevados níveis de glicose plasmática indica um
grave distúrbio metabólico e necessidade imediata de intervenção. É o principal
teste para evitar o aparecimento da cetoacidose diabética. O paciente com
diabetes melito tipo 1 deve ser orientado a realizar o teste sempre que houver
uma alteração importante em seu estado de saúde, principalmente na presença de
infecções, quando os valores de glicose capilar forem consistentemente
superiores a 240-300mg/dl, na gestação ou quando houver sintomas compatíveis
com cetoacidose diabética (náuseas, vômitos e dor abdominal). (GROSS, Jorge L. et al.)
Deve ser lembrado que a presença de corpos cetônicos na urina
durante o jejum ocorre em mais de 30% dos indivíduos normais na primeira urina
da manhã e que resultados falsamente positivos podem ocorrer na presença de
medicamentos com grupo sulfidril, como o captopril. Resultados falso negativos
podem ocorrer quando a urina ficar exposta ao ar por longo período de tempo ou
quando a urina for muito ácida, como ocorre após ingestão de grande quantidades
de vitamina C. (GROSS, Jorge L. et al.)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
LERCO, Mauro Masson et al. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/acb/v18n2/15197.pdf
GROSS, Jorge L. et al. Diabetes Melito:
Diagnóstico, Classificação e Avaliação do Controle Glicêmico. Arq Bras Endocrinol Metab [online].
2002, vol.46, n.1, pp. 16-26. ISSN 0004-2730. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-27302002000100004.
(Tuomilehto J. 2001) Prevention of type 2 diabetes mellitus by changes in
lifestyle among subjects with impaired glucose tolerance. http://www.scielo.br/scieloOrg/php/reflinks.php?refpid=S0004-2730200200010000400007&lng=en&pid=S0004-27302002000100004)
Espero ter ajudado!!
Att, Rafael Silva Brandão
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