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sábado, 22 de março de 2014

Diabetes Mellitus - Revisão bibliográfica

Caros leitores, devido a notável complexidade da disciplina de Análises Clínicas, resolvi elaborar uma pequena revisão bibliográfica sobre Diabetes Mellitus. Declaro que tal abordagem sobre assunto tem caráter exclusivamente acadêmico, e não deve servir como base para tratamentos ou indicações terapêuticas. Ressalto que tratamentos e recomendações terapêuticas são de responsabilidade exclusiva de médicos. A reprodução desse material é permitida desde que sejam citadas suas respectivas referências bibliográficas.

Diabetes Mellitus

O Diabetes Mellitus inclui um grupo de doenças metabólicas caracterizadas por hiperglicemia, resultante de defeitos na secreção de insulina e/ou em sua ação. A hiperglicemia se manifesta por sintomas como poliúria, polidipsia, perda de peso, polifagia e visão turva ou por complicações agudas que podem levar a risco de vida: a cetoacidose diabética e a síndrome hiperosmolar hiperglicêmica não cetótica. A hiperglicemia crônica está associada a dano, disfunção e falência de vários órgãos, especialmente olhos, rins, nervos, coração e vasos sangüíneos. (GROSS, Jorge L. et al.)

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS 2001) o Diabetes Mellitus é um problema de saúde pública mundial. Estima-se que existam mais de 150 milhões de pessoas com diabetes no mundo, sendo que algumas projeções da OMS para 2025 sugerem que esse número possa chegar a 300 milhões.

No Brasil, aproximadamente 50% das pessoas com diabetes desconhecem sua condição mórbida sendo que 10% delas são portadoras de diabetes do tipo I. Em alguns países esse percentual sobe para 80% (OMS 2001).

Mesmo com o advento de novas tecnologias, o avanço da medicina e uma elevada otimização dos métodos de diagnóstico, lamentavelmente o diabetes ainda é, hoje, uma das principais causas de incapacitação física para o trabalho, tornando o seu portador 25 vezes mais propenso à cegueira, 17 vezes mais susceptível à nefropatia, com chances cinco vezes maiores de uma amputação de membros e o dobro de risco de uma doença cardiovascular. (LERCO, MAURO, MASSO Et AL.)

O diabetes está associado ao aumento da aterosclerose, observada em autópsias de infarto agudo do miocárdio, elevando as chances de desenvolver trombose e infarto cerebral, bem como gangrena de membros inferiores, numa incidência duas vezes maior que a população não-diabética. Embora a aterosclerose isolada seja um importante fator de risco para essas afecções, freqüentemente ela é complicada pela presença da microangiopatia diabética disseminada. (LERCO, MAURO, MASSO Et AL.)

Alterações da tolerância a glicose e diabetes são freqüentes na população adulta e estão associados a um aumento da mortalidade por doença cardiovascular e complicações microvasculares. O diagnóstico destas situações deve ser feito precocemente, utilizando métodos sensíveis e acurados. (GROSS, Jorge L. et al.)

GROSS, Jorge L. et al. Afirmam que o teste oral de tolerância à glicose é o método de referência, considerando-se a presença de diabetes ou tolerância à glicose diminuída quando a glicose plasmática de 2h após a ingestão de 75g de glicose for ³200mg/dl ou ³140 e <200mg/dl, respectivamente. Quando este teste não puder ser realizado, utiliza-se a medida da glicose plasmática em jejum, considerando-se como diabetes ou glicose alterada em jejum quando os valores forem ³126mg/dl ou³110 e <126mg/dl, respectivamente.

A medida da glico-hemoglobina não deve ser utilizada para o diagnóstico, mas é o método de referência para avaliar o grau de controle glicêmico longo prazo.

A classificação etiológica proposta atualmente para o diabetes melito inclui 4 categorias: diabetes melito tipo 1, diabetes melito tipo 2, outros tipos específicos de diabetes e diabetes gestacional. A classificação do paciente é usualmente feita em bases clínicas, mas a medida de auto-anticorpos e do peptídeo C pode ser útil em alguns casos. (GROSS, Jorge L. et al.)

Estudos de intervenção demonstraram que a obtenção do melhor controle glicêmico possível retardou o aparecimento de complicações crônicas microvasculares, embora não tenha tido um efeito significativo na redução de mortalidade por doença cardiovascular. (LERCO, MAURO, MASSO Et AL.)

Estudo demonstrou que é possível diminuir significativamente a incidência de novos casos de diabetes através de medidas de intervenção como a realização de exercícios físicos e redução de peso em pacientes com alterações da homeostase glicêmica ainda não classificadas como diabetes. (Tuomilehto J. 2001)

O diagnóstico do diabetes baseia-se fundamentalmente nas alterações da glicose plasmática de jejum ou após uma sobrecarga de glicose por via oral. A medida da glico-hemoglobina não apresenta acurácia diagnóstica adequada e não deve ser utilizada para o diagnóstico de diabetes. (GROSS, Jorge L. et al.)

GROSS, Jorge L. et al., afirmam que para que o diagnóstico seja estabelecido em adultos fora da gravidez, os valores devem ser confirmados em um dia subseqüente, por qualquer um dos critérios descritos. A confirmação não é necessária em um paciente com sintomas típicos de descompensação e com medida de níveis de glicose plasmática ³200mg/dl.

Os critérios diagnósticos baseiam-se na glicose plasmática de jejum (8 horas), nos pontos de jejum e de 2h após sobrecarga oral de 75g de glicose (teste oral de tolerância à glicose – TOTG) e na medida da glicose plasmática casual. O quadro inclui as diversas categorias diagnósticas para adultos e para o diabetes gestacional. (GROSS, Jorge L. et al.)

Para o diagnóstico do diabetes em crianças que não apresentam um quadro característico de descompensação metabólica com poliúria, polidipsia e emagrecimento ou de cetoacidose diabética, são adotados os mesmos critérios diagnósticos empregados para os adultos. Quando houver a indicação de um TOTG, utiliza-se 1,75g/kg de glicose (máximo 75g). (GROSS, Jorge L. et al.)


Aspectos laboratoriais da medida da glicose plasmática

A glicose, idealmente, deve ser medida em plasma livre de hemólise. Os anticoagulantes mais comuns (heparina, EDTA, citrato, oxalato) não interferem na dosagem. A glicose no sangue total sofre glicólise a uma velocidade considerável (7mg/dl/h) quando conservada na temperatura ambiente (18-25°C), portanto a amostra deve ser centrifugada imediatamente após a coleta. O plasma deve ser separado das células o mais rápido possível e é estável por 48 horas sob refrigeração. Quando este procedimento não pode ser realizado, é recomendado que a coleta seja feita em tubos acrescidos de um inibidor da glicólise, como o fluoreto de sódio. O sangue total fluoretado, refrigerado ou mantido em banho de gelo, previne a glicólise por 1 hora. O jejum recomendado é de no mínimo 8 horas, tanto para as dosagens de jejum isoladas como para o TOTG. (GROSS, Jorge L. et al.)

Os métodos de análise preferidos são os enzimáticos e os métodos químicos estão em desuso por não apresentarem a especificidade adequada. Várias enzimas, com especificidade máxima para a glicose, têm sido empregadas nos reagentes atuais. A glicose oxidase é a mais usada, mas enzimas como a hexoquinase e a glicose desidrogenase também podem ser utilizadas. Os métodos enzimáticos são exatos, precisos, baratos e podem ser facilmente automatizados. (GROSS, Jorge L. et al.)

AVALIAÇÃO DO CONTROLE GLICÊMICO DO PACIENTE DIABÉTICO

Depois de estabelecido o diagnóstico de diabetes, os pacientes iniciam diversas modalidades de tratamento para corrigir a hiperglicemia, procurando atingir o melhor controle metabólico possível, isto é, níveis de glicose em jejum <110µg/dl ou pós-prandial <140mg/dl ou da glico-hemoglobina abaixo do limite máximo do método empregado. (LERCO, MAURO, MASSO Et AL.)

Glico-hemoglobina

A medida da glico-hemoglobina (GHb) é o parâmetro de escolha para o controle glicêmico a longo prazo. A GHb reflete o grau de controle glicêmico dos 2 a 3 meses prévios. A medida da GHb deve ser realizada 2 vezes por ano em pacientes com controle glicêmico estável e dentro dos objetivos do tratamento e mais freqüentemente a cada 3 a 4 meses em pacientes com controle glicêmico ainda não ótimo nos quais estão se realizando modificações do tratamento. (GROSS, Jorge L. et al.)

A GHb é o produto da reação não-enzimática entre glicose e o grupo amino terminal de um resíduo de valina na cadeia b da hemoglobina. O termo inclui todas as hemoglobinas modificadas com a glicose, incluindo HbA1 e suas frações, bem como as outras hemoglobinas anormais (HbS, HbF, HbC) que, eventualmente, possam estar presentes. A percentagem de GHb depende da concentração de glicose no sangue, do tempo de duração da exposição da hemoglobina à glicose e ao tempo de meia vida dos eritrócitos (~120 dias). Quanto maior a concentração de glicose e maior o período de contato, maior a percentagem da GHb. (GROSS, Jorge L. et al)

Segundo GROSS, Jorge L. et al., cuidados devem ser tomados em relação à fração lábil, temperatura, pH, presença de hemoglobinas anômalas, uremia e lipemia. O clínico deve interpretar com cautela os resultados de GHb e deve manter contato com o laboratório para obter informações sobre os valores de referência, as interferências e sobre a padronização com os resultados do DCCT do método que está sendo utilizado. Idealmente, o método usado deve ser certificado pelo NGSP e deve operar sob um rigoroso controle de qualidade interno.

Frutosamina

A frutosamina é uma proteína glicada, constituída principalmente de albumina, que reflete o controle glicêmico em 1 a 2 semanas anteriores, já que a meia-vida da albumina é de 14 a 20 dias. Embora haja uma boa correlação entre GHb e frutosamina, a medida da frutosamina não deve ser considerada equivalente à da GHb. O papel da frutosamina como um fator preditivo para o desenvolvimento de complicações do diabetes ainda não foi determinado. A medida da frutosamina pode ser um método alternativo para avaliar o controle glicêmico dos pacientes portadores de hemoglobinopatias, nos quais a determinação de GHb é prejudicada na maioria dos métodos disponíveis. (GROSS, Jorge L. et al.)

A frutosamina é medida pela técnica laboratorial da redução do "nitro bluetetrazolium" (NBT) que é simples, barata e pode ser facilmente automatizada. Os valores de frutosamina podem variar em função de mudanças na síntese e depuração das proteínas que podem ocorrer nas doenças hepáticas e nas doenças sistêmicas agudas, entre outras. (GROSS, Jorge L. et al.)

Avaliação da glicemia

A avaliação da glicemia ao longo do dia é uma estratégia importante para se obter o melhor controle metabólico possível. Usualmente esta avaliação é realizada através da obtenção de sangue capilar e colocação em fitas reagentes acopladas a aparelhos que fornecem os resultados em poucos segundos. De uma maneira geral, os aparelhos de leitura que são bastante acurados com um coeficiente de variação abaixo de 5%. Erros comuns podem ocorrer por alteração das fitas decorrentes de exposição ao ar ambiente por longos períodos de tempo e armazenamento de fitas de diferentes lotes em um mesmo frasco. (GROSS, Jorge L. et al.)

A auto-monitorização da glicose capilar está indicada para todo o paciente tratado com insulina ou agentes anti-hiperglicemiantes orais. Em pacientes com diabetes melito tipo 1 é recomendada a realização de 3 ou mais testes por dia. Pacientes em tratamento intensivo com múltiplas doses de insulina ou em uso de bomba de infusão contínua subcutânea de insulina e gestantes devem também realizar testes pós-prandiais (90 a 120 minutos após as principais refeições) e durante a madrugada, ou quando houver suspeita de hipoglicemia. Em situações de modificações no tratamento ou intercorrências clínicas pode ser necessário realizar exames mais freqüentementes. (GROSS, Jorge L. et al.)

A freqüência ótima de realização dos testes não está definida para pacientes com diabetes tipo 2, mas depende do tipo do tratamento realizado (agentes orais ou insulina) e da estabilidade do quadro metabólico. Medidas de glicose pós-prandiais podem ser úteis para avaliar o controle metabólico quando os valores de glico-hemoglobina estiverem elevados na presença de valores glicêmicos pré-prandiais adequados. (GROSS, Jorge L. et al.)

Recentemente, foram desenvolvidas técnicas não dolorosas e automáticas que permitem uma avaliação não invasiva e mais freqüente da glicose capilar. O GlucoWatch é um dispositivo não invasivo automático aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos. Funciona como um relógio ao redor do punho e extrai glicose através da pele pela aplicação de um potencial (iontoforese), medindo a glicose da amostra extraída através de um sensor eletroquímico enzimático. A extração e leitura levam 20 minutos e podem ser obtidas e visualizadas no mostrador até 3 medidas por hora. A área do braço onde é colocado o relógio deve ser depilada, é necessário repor um gel sensor e trocar o dispositivo de braço a cada 12 horas e fazer nova calibração (com medida de glicose capilar através de aparelhos tradicionais) (GROSS, Jorge L. et al.)

Uma outra técnica também aprovado pelo FDA é a de um dispositivo que mede a glicose por método enzimático no fluido intersticial por um período de até 3 dias. Um sensor é colocado no tecido celular subcutâneo e ligado a um aparelho de registro de tamanho aproximado de uma bomba de infusão de insulina. São registradas leituras a cada 15 minutos. Entretanto, a leitura ainda não é feita em um visor simultâneo, mas posteriormente em um microcomputador utilizando um programa específico. Este dispositivo pode ser útil em pacientes em uso de tratamento intensificado (bombas de infusão subcutânea ou múltiplas doses), para diagnóstico de hipoglicemia não percebida ou ainda em gestantes. Idealmente, no futuro estes dispositivos serão acoplados a sensores de glicose de bombas de infusão contínua de insulina (subcutâneas ou intraperitoniais), de tal maneira que modificações de glicose plasmática sejam automaticamente corrigidas através de modificações na infusão de insulina. (GROSS, Jorge L. et al.)

Medida da glicose na urina

O uso de fitas reagentes que fazem uma medida semi-quantitativa da glicose na urina é de fácil realização e de baixo custo. Vários fatores, entretanto, limitam seu uso como método para avaliação de controle glicêmico. A glicosúria só se torna positiva quando a sua concentração sérica é superior a 180mg/dl em pacientes com função renal normal e com valores ainda mais elevados em pacientes com nefropatia diabética. A medida da concentração de glicose obtida através das fitas na urina é alterada pelo volume, reflete o valor médio correspondente ao período do intervalo de coleta e não dá uma idéia de como está a glicose no sangue no momento da realização do teste. Apesar destas limitações, a medida de glicosúria deve ser indicada para pacientes em uso de insulina que não têm condições de realizar medida de glicose capilar antes das refeições e ao deitar. (LERCO, MAURO, MASSO Et AL.)

A realização do teste após as refeições permitiria um controle metabólico mais adequado e tem sido recomendada para pacientes com diabetes melito tipo 2. A medida em uma segunda amostra de urina (dupla micção) não parece ser mais vantajosa do que a medida em uma primeira amostra de urina, independente do horário de coleta. (LERCO, MAURO, MASSO Et AL.)

Medida de corpos cetônicos na urina

A presença de cetonúria verificada através de fitas reagentes e associada a elevados níveis de glicose plasmática indica um grave distúrbio metabólico e necessidade imediata de intervenção. É o principal teste para evitar o aparecimento da cetoacidose diabética. O paciente com diabetes melito tipo 1 deve ser orientado a realizar o teste sempre que houver uma alteração importante em seu estado de saúde, principalmente na presença de infecções, quando os valores de glicose capilar forem consistentemente superiores a 240-300mg/dl, na gestação ou quando houver sintomas compatíveis com cetoacidose diabética (náuseas, vômitos e dor abdominal). (GROSS, Jorge L. et al.)

Deve ser lembrado que a presença de corpos cetônicos na urina durante o jejum ocorre em mais de 30% dos indivíduos normais na primeira urina da manhã e que resultados falsamente positivos podem ocorrer na presença de medicamentos com grupo sulfidril, como o captopril. Resultados falso negativos podem ocorrer quando a urina ficar exposta ao ar por longo período de tempo ou quando a urina for muito ácida, como ocorre após ingestão de grande quantidades de vitamina C. (GROSS, Jorge L. et al.)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
LERCO, Mauro Masson et al. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/acb/v18n2/15197.pdf 
GROSS, Jorge L. et al. Diabetes Melito: Diagnóstico, Classificação e Avaliação do Controle Glicêmico. Arq Bras Endocrinol Metab [online]. 2002, vol.46, n.1, pp. 16-26. ISSN 0004-2730.  http://dx.doi.org/10.1590/S0004-27302002000100004. 
(Tuomilehto J. 2001) Prevention of type 2 diabetes mellitus by changes in lifestyle among subjects with impaired glucose tolerance. http://www.scielo.br/scieloOrg/php/reflinks.php?refpid=S0004-2730200200010000400007&lng=en&pid=S0004-27302002000100004)

Espero ter ajudado!!

Att, Rafael Silva Brandão


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